Casa Hungria Machado. Lúcio Costa

Texto extraído de
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2003. P. 124-6

A dupla atividade de Lúcio Costa – a de teórico e a de arquiteto propriamente dito – formava um todo indivisível: assim, não é de espantar que tenha desde o início se dedicado a tentar uma síntese entre a arquitetura contemporânea e a arquitetura colonial, tentativa essa que é sem dúvida alguma, sua contribuição pessoal mais característica no campo estritamente arquitetõnico. Mas é evidente que, nesse esforço pela síntese, existem gradações, que correspondem mais ao gênero abordado do que a uma verdadeira evolução cronológica: alguns programas prestavam-se perfeitamente a uma síntese desse tipo, outros, bem menos, e alguns, absolutamente não o permitia. Nesse caso, não se pode tratar conjuntamente de elementos tão diferentes, como casas, prédios de apartamentos e de escritórios ou projetos monumentais (como Brasília). A sensibilidade de Lúcio Costa sempre lhe permitiu encontrar a solução correta. Permanecendo fiel a si mesmo, sem jamais cair em excessos dogmáticos; mas as soluções adotadas variam consideravelmente, segundo o tipo de programa a ser resolvido.

Naturalmente, esse era o setor [casas e mansões] que oferecia maiores facilidades de síntese entre a tradição local e a arquitetura contemporânea. De fato, a liberdade do arquiteto era maior nesse gênero, do que num programa de finalidades coletivas, onde as imposições funcionais e externas são mais rigorosas: praticamente bastava contar com um proprietário compreensivo para que se reduzissem ao mínimo os obstáculos dessa ordem. Existia também uma clientela sensibilizada pelo movimento neocolonial, capaz de aceitar mais facilmente uma arquitetura discretamente moderna, que não rompesse totalmente com a tradição formal, do que as propostas revolucionárias, que pareciam arrogantes aos mais desavisados. A razão essencial, porém, é que não se tratava de um programa de construção novo, específico da civilização do século XX, mas de um gênero tradicional; é claro que as condições materiais e as necessidades a que devia corresponder essa categoria de habitação não eram exatamente as mesmas do século XVIII, mas não havia uma mudança radical dos dados principais, que permaneciam praticamente imutáveis; assim, as soluções antigas permaneciam parcialmente atualizadas e capazes de serem facilmente adaptadas.

Sem dúvida alguma, Lúcio Costa foi o primeiro a compreender esse fato e a enveredar por esse caminho. Essa prioridade cronológica e a alta qualidade das poucas casas que construiu (menos de uma dezena) asseguram a estas obras um lugar importante no contexto da arquitetura brasileira. A primeira da série (de Roberto Marinh0) data de 1937. Foi realmente em 1942- -1943 que o estilo de Lúcio Costa afirmou-se plenamente; nessa época, projetou num curto espaço de tempo, três belas residências: a casa de Argemiro Hungria Machad0, no Rio de Janeiro, e as casas de campo do Barão de Saavedra e da Sra. Roberto Marinho, em Petrópolis.
Um exame desses projetos destaca a hábil integração dos elementos tradicionais com uma arquitetura que jamais renega seu caráter estritamente contemporâneo. Com efeito, Lúcio Costa conseguiu evitar toda imitação servil, optando com segurança, de modo a não sacrificar o presente em nome do passado. Sua preocupação primeira foi sempre a satisfação das necessidades atuais e o bem-estar dos moradores, sem jamais deixar que as preocupações de ordem puramente histórica o dominassem. Um excelente exemplo disso é a organização da planta dessas casas. A preocupação principal foi a criação da continuidade entre exterior e interior, aliás uma das conquistas mais características de nosso século, mas que procurou criar de modo a não prejudicar a intimidade em geral desejada nesse tipo de construção; pelo contrário, conseguiu reforçá-Ia. Suas casas foram portanto concebidas em função do jardim, seu complemento necessário e para onde se voltam através de paredes inteiramente envidraçadas, os cômodos principais.

Mas não houve nenhum rigor na solução adotada; esta variava em função de cada caso. O pátio, tão comum no mundo mediterrâneo e hispano-arnericano'”, provou ser perfeitamente indicado para os lotes urbanos.

1 – Sala de estar; 2 – Pátio; 3 – Implúvio; 4 – Varanda; 5 – Sala de jantar;  6 – Copa-cozinha; 7 – Despensa;  8- Garagem; 9 – Lavanderia; 10 – Quartos de empregados; 11 – Dormitório; 12 – Terraço coberto; 13- Estúdio; 14 – Rouparia; 15 – Terraço; 16 – Vazio  do pátio.

Esse post foi publicado em Uncategorized. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário